Representações discursivas sobre crianças e adolescentes envolvidas em denúncias de violência sexual: do silêncio à exclusão

Abstract

Esta pesquisa justifica-se com base na emergência dos crescentes casos de violência sexual contra crianças e adolescentes. Temos como hipótese que a violência sexual na sociedade provém do machismo dos sujeitos que exercem a violência e da vergonha e receio das denunciantes, que, temerosas dos possíveis estereótipos estabelecidos pela sociedade, acabam por silenciar-se. Este trabalho visa interpretar as possíveis relações de poder, as formas do silêncio e efeitos de sentido e de verdade que emergem dos relatos de sujeitos denunciantes e acusados, envolvidos em denúncias de violência sexual, bem como analisar as representações desses sujeitos por meio dos posicionamentos discursivos relatados pelo escrivão. Para isso, foram selecionados seis autos de informação e analisados vinte e quatro recortes sobre violência sexual, recolhidos na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher da cidade de Três Lagoas-MS. As perguntas de pesquisa a que se busca responder são: Quais as posições discursivas dos sujeitos envolvidos nas denúncias? Como são instauradas as relações de poder nos relatos à autoridade? Há silenciamentos? Quais são as condições de verdade? De que modo se manifestam o machismo e a exclusão social nessas denúncias? A análise focalizou especialmente as representações sobre os sujeitos-declarantes de violência sexual, as quais podem apresentar diferentes imagens que se constituem no processo discursivo e seus efeitos de sentido, com base na metodologia foucaultiana denominada arqueogenealogia e nos seguintes preceitos teóricos da Análise do Discurso: discurso e relações imaginárias conforme Pêcheux (1988), silenciamento por Orlandi (2007) e heterogeneidade constitutiva representada por Authier-Revuz (1998). Também são utilizados os conceitos do filósofo Michel Foucault relações de poder/saber e verdade (FOUCAULT, 2010a, 2010b) e o conceito de exclusão de Sawaia (2008). E, finalmente, em razão das condições de produção, usamos a obra A história do estupro, de Vigarello (1998), na qual, o autor discorre acerca do estupro e suas definições jurídicas. Quanto aos resultados, observamos a presença de relações de poder por meio da violência sexual e por meio da desqualificação, da negação do efeito de verdade dos dizeres da declarante, buscando silenciá-la. A análise possibilitou ainda a representação da mãe da declarante como submissa ao poder do marido e ao discurso machista, bem como a exclusão do sujeito declarante em decorrência da imagem social denegrida. Cabe mencionar, também, a presença dos discursos patriarcalista/machista, religioso, formações discursivas do jurídico e da medicina nos dizeres dos diversos sujeitos, os quais constituem as representações que emergem sob o discurso relatado do escrivão e, por sua vez, trazem à tona o discurso cristalizado da mulher como permissiva. Esta pesquisa está dividida em três capítulos: no primeiro, são apresentados alguns apontamentos sobre a trajetória dos estudos linguísticos e os fundamentos teóricos da Análise de Discurso; no segundo, são expostas as condições de produção sob as quais emergiram os relatos da violência sexual, bem como considerações sobre a representação da mulher e aspectos da história do estupro e da modificação do Código Penal. Em seguida, no terceiro capítulo encontra-se a análise dos recortes dos autos de informação, que nos permitiram constatar a presença de relações de poder por meio da violência sexual e da desqualificação, da negação do efeito de verdade dos dizeres da declarante, buscando silenciá-la.

ABSTRACT - This research is based on the emergence of the growing cases of sexual violence against children and teenagers. Our hypothesis is that sexual violence in society comes from the machismo of the subjects who make use of violence and from the shame and fear of the accusers, who feel afraid of the possible stereotypes established by society and end up silencing themselves. This work aims at interpreting the possible relations of power, the forms of silencing and the effects of sense and truth which rise from the reports of accusers and the accused ones, involved in sexual violence denouncements, as well as analyzing the representation of these subjects through discoursive opinions reported by the scrivener. For doing so, we have selected six proceedings of information and analyzed twenty-four clippings on sexual violence, gathered at Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher in the municipality of Três Lagoas –MS. The questions of the research whose answers we have tried to find are: What are the discoursive positions of the subjects involved in the denouncements? How are the relations of power established in the reports to authorities? Are there silencings? What are the conditions of the truth? How are the machismo and social exclusion shown in these denouncements? The analysis has focused especially the representations on the subjects who declared sexual violence, which might show different images which are constituted in the discoursive process and their effects of sense, based on the foucaultian methodology known as archeo genealogy and on the following theoretical precepts of Discourse Analysis: discourse and imaginary relations according to Pêcheux (1988), silencing Orlandi (2007) and represented constitutive heterogeneity Authier-Revux (1998). We have also used the concepts of the philosopher Michel Foucault on the relations of power/knowing and truth (FOUCAULT, 2010a, 2010b) and the concept of exclusion Sawaia (2008). And finally, because of the conditions of production, we use the work The history of rape, Vigarello (1998), in which the author talks about rape and the juridical definitions. As to results, we have observed the presence of power relations throught sexual violence and disqualification, the denial of the effect of truth of the accuser, trying to silence her. The analysis also allowed the representation of the accuser´s mother as being submissive to the power of the husband and the sexist discourse, as well as the exclusion of the accuser due to the denigrated social image. Also, it can be mentioned the presence of the patriarchalist/sexist religious discourse, legal and medicine discoursive formations in the sayings of the diverse subjects, which constitute the representations which rise under the discourse reported by the scrivener and those, in turn, bring out the woman´s permanent discourse as permissive. This research is divided into three chapters: in the first one, there are some notes on the trajectory of the linguistic studies and theoretical basis of Discourse Analysis; in the second one, there are the conditions of production where the sexual violence reports emerged, as well as the considerations the representation of the woman and the aspects of the history of rape and the changes of the Criminal Code. On the third chapter there is the analysis of the clippings from the information proceedings which allowed us to find the evidence of relations of power through sexual violence and disqualification, the denial of the effect of the truth of the sayings of the accuser, tryng to silence her.