A “Justiça Curricular” a partir das noções de democracia, cidadania e inclusão social: estudo de documentos curriculares produzidos na última década do século XX e primeira do século XXI

Abstract

Em decorrência das transformações ocorridas no campo educativo, a partir das reformas dos anos 1990, considerando-se a proposta de um novo contrato educativo, o objetivo deste trabalho é mapear, identificar e analisar a forma como as noções de democracia, cidadania e inclusão social estão tratadas nos campos da ciência jurídica e da ciência social e, particularmente, na educação. Também intenciona investigar as formas como elas se configuram nos documentos curriculares nacionais e locais, ao mesmo tempo em que se constroem interpretações acerca das possibilidades, ou não, de que essas noções operem/proponham uma ideia de justiça curricular. Assim, parte-se da hipótese de que as noções de democracia, cidadania e inclusão social são os Princípios Fundamentais que embasam os Direitos Fundamentais, nesse caso particular o direito à educação, em uma escola reinventada como “para todos”, no atual estágio do capitalismo. A depender da forma como são incorporados pelos documentos curriculares, podem concretizar a ideia de justiça curricular. O desenho metodológico da investigação está orientado pela técnica da pesquisa qualitativa de um estudo comparado, de caráter bibliográfico-documental. São fontes documentais da pesquisa os documentos curriculares publicados em âmbito nacional e local, a saber: em Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (PCN) séries iniciais (1ª a 4ª séries) e finais (5ª a 8ª série) do ensino fundamental, nos anos de 1997 e 1998, respectivamente, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), do ano de 1998b; o Referencial Curricular do Ensino Fundamental (1º ao 9º ano), elaborado pela Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande/MS em 2008 e o Referencial Curricular da Educação Básica (Ensino Fundamental e Ensino Médio), organizado pela Secretaria Estadual de educação de Mato Grosso do Sul em 2007. As áreas de comparação eleitas para análise são a diferença, a diversidade e a desigualdade. Essas áreas delineiam-se pela expressão das noções de democracia, cidadania e inclusão social e permitem observar as formas de incorporação dessas noções na prática da escrita curricular. As análises confirmaram o tom discursivo do reconhecimento da existência da diferença, da diversidade e da desigualdade na escrita dos documentos curriculares, mas são transpostas para o campo educativo como conteúdo disciplinar, com o objetivo de promover uma “escola para todos”. Os resultados apontam que democracia, cidadania e inclusão social, na escrita curricular, não são tomadas/apropriadas em seu sentido político, o que impede que, no processo educativo, sejam trabalhadas sob a perspectiva da educação emancipatória. Não encontramos inovação curricular, tampouco a justiça curricular. Isso porque os currículos oficiais não indicam práticas pedagógicas contra-hegemônicas, para as quais as tônicas seriam questionar a sociedade e as condições de vida, e não apenas reconhecer a forma como a realidade está constituída.

ABSTRACT - Taking into account the changes in the educational field after the reforms of the 1990s, considering the proposal for a new educational contract, the objective of the paper is to map, identify and analyze how the notions of democracy, citizenship and social inclusion are treated in the fields of legal and social sciences and, particularly, in education. It also intends to investigate the ways in which they are represented in the local and national curriculum documents, and build interpretations about the possibilities, or not, that these notions operate/propose an idea of curricular justice. It therefore bases on the hypothesis that the notions of democracy, citizenship and social inclusion are the Fundamental Principles that support the Fundamental Rights, particularly the right to education, in a school reinvented as "for all", at the current stage of capitalism. Depending on the way in which they are incorporated in the curricular documents, they may concretize the idea of curricular justice. The methodological design is oriented by the qualitative research technique of a comparative bibliographic-documentary study. The sources are documents published both locally and nation-wide, namely: the National Curriculum Parameters for Elementary Education (PCN), initial grades (1st to 4th grade) and final grades (5th to 8th grade) of elementary school, during the years 1997 and 1998, respectively; the National Curriculum for Infant Education (RCNEI), 1998b; The Curriculum for Elementary Education (1st to 9th grade), prepared by the Municipal Secretary of Education of Campo Grande-MS in 2008, and the Curriculum for Basic Education (Elementary Education and High School), organized by the State Secretary of Education of Mato Grosso do Sul in 2007. The comparison areas selected for analysis are difference, diversity and inequality. These areas are related to the expression of the notions of democracy, citizenship and social inclusion and favor the observation of the ways the notions are incorporated into the practice of curriculum writing. The analyses confirmed the discursive tone of recognition of the existence of difference, diversity and inequality in the writing of curriculum documents, but are transposed to the educational field as disciplinary content, with the aim of promoting a "school for all". The results of the investigation indicate that democracy, citizenship and social inclusion are not taken/appropriated in their political sense in curriculum writing, which prevents them from being considered under the perspective of emancipatory education. We have not found curricular innovation or curricular justice. This is because the official curricula do not indicate counter-hegemonic pedagogical practices, to which the emphasis would be questioning society and life conditions, not just recognizing the way reality is constituted.

RESUMEN - En decurrencia de los cambios que se produjeron en el campo educativo, desde las reformas de la década de 1990, teniendo en cuenta la propuesta de un nuevo contrato educativo, el objetivo de este estudio es mapear, identificar y analizar el modo como se tratan los conceptos de democracia, ciudadanía e inclusión sociales en el campo de la ciencia jurídica y de las ciencias sociales, y en particular, en la educación. Además, se hace una investigación del modo como se presentan en los documentos curriculares nacionales y locales, a la vez que se construyen interpretaciones respecto a las posibilidades, o no, de que tales nociones operen/propongan una idea de la justicia curricular. De ese modo, se parte de la hipótesis de que los conceptos de democracia, ciudadanía e inclusión social son los Principios Fundamentales que subyacen a los Derechos Fundamentales, en este caso, en particular, el derecho a la educación en una escuela “reinventada” como "para todos" en el estado actual del capitalismo, y dependiendo de la forma como se incorporan en los documentos curriculares, pueden concretizar la justicia curricular. El diseño metodológico de esta investigación se guía por la técnica de investigación cualitativa de un estudio comparativo de carácter bibliográfico y documental. Son fuentes documentales de esta investigación los documentos curriculares publicados en el nivel nacional y local, es decir, en los “Parâmetros Curriculares Nacionais” (PCN) niveles iniciales (primero a cuarto grado) y finales (5 º a 8 º grado) de la enseñanza primaria, en los años de 1997 y 1998, respectivamente, y en el “Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil” (RCNEI), del año de 1998b, además del “Referencial Curricular do Ensino Fundamental” (primero a noveno grado), elaborado por la Secretaría de Educación Municipal de Campo Grande/MS en 2008 y el “Referencial Curricular da Educação Básica” (Primaria y Secundaria), elaborado por la Secretaría de Educación del Estado de Mato Groso del Sur en 2007. Las áreas de comparación elegidas para el análisis son la diferencia, la diversidad y la desigualdad. Estas áreas se describen por la expresión de los conceptos de democracia, ciudadanía e inclusión social y permiten observar las formas de incorporar estos conceptos en la práctica de la escritura de la curricula. Los análisis confirmaron el tono discursivo del reconocimiento de la existencia de la diferencia, la diversidad y la desigualdad en la escritura de los documentos curriculares, pero al transponerse al ámbito educativo aparecen como asuntos de asignaturas con el objetivo de promover así una "escuela para todos". Por lo tanto, los resultados indican que la democracia, la ciudadanía y la inclusión social en la escritura de la curricula no se toman/apropian en su sentido político, lo que impide que el proceso educativo se ponga en práctica en el sentido de educación emancipadora. No se encontró la innovación curricular, tampoco justicia curricular, porque la curricula oficial no indica prácticas pedagógicas contrahegemónicas, para las cuales la tónica sería cuestionar la sociedad y condiciones de vida y no solamente reconocer cómo se constituye la realidad.